quinta-feira, junho 25, 2009

Verdade

Fui descendo a rampa e tinha uns soluços guardados que me molharam a cara, perante o olhar acostumado dos vendedores da rua, confrontei as minhas pernas para se apressarem, preferia ter corrido mas já antes escorreguei naquela descida. Senti-me uma estranha na minha cidade, sentei-me perto do corrimão verde e chorei, mas uma voz cá dentro foi falando cada vez mais alto, mais clara.
Senti-me rebentar de raiva e vergonha. Olhei em volta e vi gente que deambulava na estrada mais presente. Onde estou eu?

"Estás aqui, és tu, Sandra, lembras-te?"

Estava ali, cansada, a luz tornou-se escuridão e essa voz cada vez mais clara foi-me enfrentando.

"Não"

A palavra ressoou em pancadas, fez-me estremecer.

Antes, outra voz soara em mim, sentida e quase magoada.
"Luta por mim!
Luta ao meu lado e não contra mim!
Não te reduzas à fraqueza e insignificancia do que os teus olhos veem e os teus gestos alcançam, e sonha!
Dá-me a paz e segurança que preciso, mostra-me o valor que eu tenho para ti!
Não é dificil porque a minha vontade é já tua aliada.
Enquanto fabricas raciocinios elaborados para orquestrar o caminho, deixaste de me ver, limitaste-me e isso assusta-me.
Sou mais que isso, tenho uma nuvem à minha volta mas a minha luz brilhou sempre para ti.
Mostra que estás comigo, que és capaz!
Quero ir contigo, não sei viver sem ti!
Mostra-me que sou especial e que os meus dois AA sobressaem dos outros.
Não me julgues porque não sabes.
Mostra a força que tens comigo! "

Fechei-me no carro, perdi o bilhete de estacionamento, odiei esta distancia que me tem afastado de mim, gritei com a minha alma toda ao desgraçado da Caixa, encontrei o bilhete, paguei, pedi desculpa e subi de novo para a minha cidade.
Enquanto à direita da Avenida, a dormencia me chamava, olhei em frente, procurei na minha mente, rebusquei em todo o lado, o que valho, o que sinto, o que sou, levantei a voz a mim mesma, redefeni-me em segundos.

"Não, não, não!!!
Não me mereces, não acreditaste em mim, não confiaste, não quiseste.
Não viste o mais que os meus olhos te disseram, não percebeste nada!
A razão apoderou-se de ti. Vivam os seres pensantes!"

Tambem não, Sandra, Vivam os dementes!

Quero-me de volta, preciso das forças que me definem para me erguer. Onde devo não é aqui, aqui senti, aqui descobri, nada na minha vida me foi dado de mão beijada, um mar de vontade tomou conta de mim, abracei a minha cidade nas cores em que a revejo, disse-lhe "já volto" e provavelmente esqueci-me do radar de velocidade.
Jurei a mim mesma integridade.
A minha metade de mim não me pertence e despedi-me dela para sempre.
Só hoje não chega para enxotar, para sempre!
Meses cheios de mim, sem espaço nem lugar, há-de haver um tribunal que me condene pelo crime que cometi, apontado e falado por ti, dono da razão e da integridade, mais ainda por mim!

À frente, parada, sobressaltada e assolada com a minha força quase desumana, com a verdade já clara e decidida, despedida de mão apertada, abri o vidro da carrinha e suspirei com as contrariedades. Estava a saber-me tão bem acelerar, chegar depressa para falar. Estrada cortada, sirenes, helicopteros, o meu telemovel tocava "estou bem, não sei o que se passa".
Sai do carro, andei, andei muito e embrenhei-me num grupo que falava com expressão do Norte "Vamos estar aqui até a meia-noite, virou-se um autocarro ali a frente". Andei mais e dei comigo a caminhar ao lado de mais gente igual a mim, não sabia porque andava, não suportava a prisão de estar fechada, percebi a analogia e sorri.
Mais a frente, cruzei-me com dois homens que alegremente perguntavam "Alguem quer coca-cola?", e a senhora do carro ao lado, inteligentemente loura perguntava "Não tem agua ?" .
Naquele bloqueio de estrada reconheci vida em mim, falei com estranhos que me pareciam familiares, senti bocadinhos da estrada por onde ando e nunca vi, lembrei-me de lugares e senti voltar-me a mim. Perdi. Perdi tanto mas estou aqui!

Vi imagens tristes, gente perdida, um autocarro mergulhado no pasto, sangue na estrada, pedaços de betão aparentemente indestrutiveis espalhados, soltei um ultimo soluço e tudo aquilo me mostrava o fecho deste conto, tudo tinha o sabor da metafora e da alegoria que agora vejo.

Abri os vidros e saboreei a distancia, equacionei a historia da minha vida nos kms que faltavam e , na ultima curva da estrada, naquela em que me desviava, disse o mesmo adeus que dizia, nos dias que sonhava.
Abri a porta da minha casa, reparei no tanto que já fiz, abracei o meu amigo de sempre que agora me recebe com uma almofada e entrei no silencio que enfrento. Não liguei a TV, abri a porta de par em par, deixei o ar entrar, telefonei a uma voz amiga, para não dizer nada a não ser que estou aqui.
O meu amanhecer começa aqui.

Já não tenho medo da estrada, ela ensinou-me que quando perco, ganho, quando paro, vivo e, Meu Deus, como eu quero viver! Venha o que vier, estou aqui, aguarda-me a minha palavra e a decisão tomada. Não sou uma qualquer, sou diferente, sei que sou, sou demente, consciente, emocional e racional, gosto do que não preciso, amarro-me porque tenho medo, mas sou alma e não dependo na verdade.
A minha vida vale mais que isso.

terça-feira, junho 23, 2009

Escrever

Já não me sentia livre para escrever. Preciso de escrever.
Ainda tenho esta força nas minhas mãos de me libertar desta coisa que sinto que me invade a alma reclamando, doendo.
Não consigo descansar, não consigo parar, revejo-me há 8 anos, sem amarras nem rumo, perdida em mil sopros de vida que não me pertenciam. Estou cansada e tão magoada.
Ouço a mesma musica vezes sem conta que se converte no ritmo da minha respiração, encaro os livros e não leio, enveredei pelo modo automático de agir, porque a minha mente está em todo o lado menos aqui.
A minha voz regurgita palavras que me saem sem sentido ou com demasiada exaustão, sinto vergonha enquanto uma magoa e dor me invadem. Como fui eu capaz de me deixar chegar aqui?
Preciso de gritar alto, porque não falo.
Estou sem razão e, não me ouvi durante todo o dia.

Saudade

- Sinto saudades tuas. - A voz mantinha o mesmo timbre seguro e circunspecto com que acabara de comentar a inexistencia da suposta maravilha fisica que apesar de se ver, não se chega lá. Nestas alturas, renasce aquele silencio tão mais forte que as palavras que os unem.

Em volta, na curva da estrada, no caminho que percorrem alternadamente, em sentidos opostos e na mesma direcção, o mundo tem o dom de esperar que se olhem, de entender o que sentem.

- Sinto saudades tuas como ontem senti antes de te deixar.

Ela procurou as palavras certas, as mãos fecharam-se nas suas, e, sem encontrar, restava-lhe sentir o calor da face e dos sentidos que há muito haviam retornado desse tempo parado no tempo e ensinado o seu lugar eterno.

O seu lugar ao seu lado.