sexta-feira, outubro 23, 2009

Eugenio de Andrade

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer. 

Arte da melancolia








dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice

conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo

dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nunhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos 

__________________________________________


e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia 



Al Berto

quinta-feira, outubro 08, 2009

Reticencias

Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na acção.
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!
Vou fazer as malas para o Definitivo,
Organizar Álvaro de Campos,
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem — um antes de ontem que é sempre...
Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir...
Produtos românticos, nós todos...
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.
Assim se faz a literatura...
Santos Deuses, assim até se faz a vida!
Os outros também são românticos,
Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,
Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar,
Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,
Os outros também são eu.
Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente,
Rodinha dentada na relojoaria da economia política,
Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios,
A tua voz chega-me como uma chamada a parte nenhuma, como o silêncio da vida...
Olho dos papéis que estou pensando em arrumar para a janela,
Por onde não vi a vendedeira que ouvi por ela,
E o meu sorriso, que ainda não acabara, inclui uma crítica metafisica.
Descri de todos os deuses diante de uma secretária por arrumar,
Fitei de frente todos os destinos pela distração de ouvir apregoando,
E o meu cansaço é um barco velho que apodrece na praia deserta,
E com esta imagem de qualquer outro poeta fecho a secretária e o poema...
Como um deus, não arrumei nem uma coisa nem outra...

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa

sexta-feira, outubro 02, 2009

Há de ser o que Deus quiser...



O titulo está errado, como tantas noticias que vou ouvindo.
Esta, soberba, boa gente, genuina, da terra do meu pai, hoje, voaram pela primeira vez...
Esta viagem, excursão, enche a vida de quem não há-de nunca vergar-se à parvoice que vejo por ai

quinta-feira, outubro 01, 2009

Mar



Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.

Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, setembro 27, 2009

sexta-feira, setembro 18, 2009

Amalfi

Hoje, vou fechar os olhos e deixar-me levar pelas imagens com que sonho. Encantam-me de tão verdadeiras que são. Já estive em sitios lindos, retenho memórias que valem mais que todos os sentidos.

 
Hoje , procurei um sitio quase inacessivel, Amalfi.




Imagino-me numas ruelas coloridas, vasos alegres nas janelas. Aquele borbulhar festivo de palavras que se confundem com os olhares apaixonados, a musica de um violino escondido numa varanda.

Vejo-me de olhar desperto, nesta ansia que sempre tive de me encontrar. Vejo, sinto.


Este sitio é tão bonito. Há-de haver um homenzinho pequeno, de boina escura e colete antigo que, em troca de um sorriso e uma moeda me há-de lembrar. Há-de haver uma menina a correr, pela rua que desce, de encontro ao mar azul, no sopé desta villa.




Vou experimentar sentar-me numa varanda de pedra, fixar o mar que abraça as serras, deixar-me levar por o que de mais real existe aqui, a minha vontade de sonhar.

 
Quando cair a noite e antes de me despertar, vou saborear um copo de chianti imaginado e queijo em quadradinhos, enquanto ouço as musicas vindas do mar.

 



Amanhã, partirei noutra direcção qualquer. Não interessa qual, há-de haver sempre um lugar. Isso eu sei...

terça-feira, setembro 15, 2009

The meaning of life...




Não resisti.
Em fimes, talvez...
Na realidade??? Não sei!

domingo, setembro 13, 2009

Inicio

"No início não existe a folha em branco, essa chega muito depois. No início, existe uma linha de sentido mergulhada no interior do caos. Há o tempo, pessoas que nascem e que morrem, séculos que imaginamos antes e depois de nós, idades que usamos como disfarces, como fatos nos casamentos; há o mundo, todos os seus cenários, esgotos e planícies, adereços à distância dos nossos gestos, muros que condicionam o caminho; e existimos nós, indecisos e incorrectos, com braços e pernas, com pele e feitio, com espírito ou, pelo menos com a possibilidade de espírito, com a ideia. Depois existem as possibilidades e as dúvidas a lançar estes três elementos - tempo, espaço e sujeito - uns contra os outros....o aleatório faz malabarismo à nossa volta e, de repente, podemos distinguir uma linha de sentido: algo que se relaciona com algo. Essa peça, por sua vez, poderá relacionar-se com outra, que se relacionará com outra, etc. Salta-se de pedra em pedra ignorando-se o rio....
Continuamos a juntar os pequenos pontos e, aos poucos, distinguimos uma forma. Esse é o início. Só a seguir, consoante a lua e o aparelho nervoso, chega a folha em branco com todas as suas lendas..."
 
José Luís Peixoto,
Verdades quase verdadeiras, Jornal de Letras.



domingo, setembro 06, 2009

Manos al aire


Noite escura
Ecoa a minha voz, desperta nos contos que me embalam.
A minha mémoria é fertil, rica.
Em cada história, imagens rodopiam em meu redor.
Despeço-me do que não me pertence
Abraço o escuro e a planicie
Vastidão serena e calma
Aguardo o amanhecer da minha alma
Construo cada história em cada momento
Sinto-me cheia de mim.

sábado, setembro 05, 2009

Os abraços que valem

Este abraço, vale mais que mil palavras, mil imagens, vale tanto!
Este é eterno, este só sente quem tem, infinito!!!
Pequenino, mas o sorriso é da cor do por do sol!

A crueza da verdade

"O riso rodopia no ar! Rebentam foguetes de alegria, pintam-se em néon as paredes, as árvores, o céu com tantas palavras, tantas frases, ideias… confidências.
Espalhas-te por quem te rodeia. Diluis-te pela amizade e o conhecimento, misturas-te pelo amor. E todos, uns mais outros menos, pensam conhecer quem és e como o és. E sabem porque o és?
Pelos olhos dos amigos passam as tuas visões; pelos ouvidos dos teus próximos passam as formas mais recatadas do teu ser. Pelo coração dos teus queridos viajam os teus sentimentos; pelo cérebro dos de tua confiança vagueiam os teus pensamentos mais ousados…
E o que sabem eles dos esteios que firmam o teu EU?! Provavelmente… muito pouco… ou mesmo nada, em alguns casos.


Sim… vai à crueza da verdade… Já alguma vez sentiste o impulso de franquear em limpidez o portão do teu tesouro íntimo, mais arreigado à fonte da pessoa que és? O que fazes com tantos sentimentos, sensações emoções, mundanas e etéreas que reténs no cofre do teu segredo? Comunicas? Não?… Guardas nas catacumbas da alma, na vã esperança e na inibida vontade de algum dia, um qualquer arqueólogo de ânimos e vidas, no seu deambular pelos desertos de réplicas humanas descubra, acidentalmente, mais um indivíduo inequívoco.

Entretanto, na maior das euforias dos confessionários sociais, tu, a tua verdadeira criatura, perde-se no esquecimento acanhado e abafado pela nuvem de trivialidades corriqueiras que se cruzam e se trocam nos laços sociais.
Vives conformado na agremiação do cidadão; vives ansioso na solidão interior. Uma solidão maior, a verdadeira solidão a um, invisível, imperceptível àqueles que te poderiam dar a companhia da partilha de todo o mundo que carregas em silêncio.


Corres como um rio interior, marginalmente, pelos subterrâneos do mar quotidiano, sem nunca nele desaguar. Crias para ti, uma imagem, um cartão de apresentação, superficial, polido ao essencial fútil. Andas disfarçado pelas ruas da actualidade.
Aqui e ali deixas escapar algum perfume do teu jardim de encantos. Reagem mal, estranham-te e tu, arrependido e abatido pela audácia, retrais a espontaneidade e retratas-te como se houvesses cometido o pecado do Ser verdadeiro…


Depois tens de escrever estes textos para soltares algumas coisas de ti…"

Copiei este texto de alguém cuja alma me espelha em palavras verdadeiras
“Solidão não é a falta de gente para conversar, namorar, passear ou fazer sexo…
Isto é carência!

 
Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar…
Isto é saudade!

 
Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe, às vezes, para realinhar os pensamentos…
Isto é equilíbrio!

Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente…
Isto é um princípio da natureza!

Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado…
Isto é circunstância!

Solidão é muito mais do que isto…
Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma”.

Maman

sexta-feira, agosto 28, 2009

Proveitosas horas

Sem fugas, proveitosas horas que me arrisco, a estar comigo. A minha individualidade é o assumir deste vazio, amanhã será diferente, eu sei.

Traço caminhos, racionais, falo, questiono, renovo a convicção que ainda valho e a minha experiência tem peso, recebo votos de amizade renovada. Racionalidade!
O vazio é emoção, não se tapa justificando dificuldades, vazio cheio de nada que, de repente, se torna tudo. Proveitosas as horas em que falo comigo.

 
Nem eu colho migalhas, o que sinto é imenso, transborda de tanto, sendo especial fico vazia, e nestas horas que enfrento, encho-me das minhas histórias, prefiro assim.

 
Ontem tive medo, senti vontades adormecidas, senti-me enraivecida, esgotada, perdida. Não prescindo do que lutei tanto por alcançar, fora de tempo, tive que esgotar a renitencia deste ser que hesita sempre em acreditar, mas alcancei.

Não prescindo do tanto em que em acredito e me molda.
Não prescindo de calar as vozes que não me veem e castigam.
Não prescindo de me calar por parecer que as minhas palavras deixaram de ser expontaneas.
Não prescindo de me enfrentar.
Não prescindo do meu tempo e da convicção do meu querer.
Não prescindo do que sinto.

Este vazio que chama cruzadas de evasão, é claro, transparente, doentiamente dificil de suportar, aliar-se-á a outro, que das entranhas tenta, lembrar-me dos limites, da doença, todos os dias. Serão amigos desistentes um dia.

Proveitosas as caminhada com o meu amigo de sempre.
Proveitosos serão os caminhos.
Proveitosas horas que passo comigo.

quinta-feira, agosto 27, 2009

Quero que saibas

Quero que saibas
Que os teus olhos tiveram o alcance de me verem
Que as tuas mãos despertaram sentidos que adormecera
Que cada gesto que me oferecias, eu guardei-o na minha vida
E trago-os comigo, revê-los-ei de vez em quando
Agora não.

Quero que saibas
Que o meu mar era azul
Que te oferecia as cores serenas das planicies no Verão
Que cada minuto que passamos juntos
foram vidas, feitas de nós

Quero que saibas
que guardo o teu semblante
o teu ar austero e tão meigo
que as palavras foram silencios
e os silencios histórias de amor
E só sabe falar de amor quem sente

Quero que saibas
que despertares ao meu lado
foi o raiar do meu Verão
que o cheiro a poejos no chão
de mãos dadas contigo
valeram mais que os gemidos
soltados, sentidos.
Quero que saibas
agora não.

Corrente Liberta

Extasiada e convicta, sofrida e serenada, ergo agora eu, as minhas mãos soltas perante o espaço. Destrui a fé, envergonhada pelo ultimo gesto de ilusão efémera, fugi, depressa, lavada a cara pela agua que soltei, gritei do fundo da minha alma.
Quero-me a mim.


Exasperada raiva que finalmente chega, soltei a minha voz, finalmente as palavras são minhas, brotam do mais fundo de mim, de uma lucidez renascida, estou viva, os meus braços erguem-se, o meu corpo estremece, estou aqui.


Ah, correntes libertas refrescam a minha cara, por fim, vejo, vejo tão bem. Entendo, sei, sinto, não quero saber, não quero ver mais.

Quero-me a mim, quero a minha verdade, o meu sonho, o meu direito a falar de mim, quero rir como ria, quero dançar para mim, quero ser pequena e não ter vergonha pela imensidão que guardo, quero falar alto, quero sair daqui.
Por fim.

Acarinho-me com o que gosto, leio, ouço, travo a minha luta, outra agora, guerreira de mim, reerguida do tempo que me assiste, no meu espaço, sem a ironia de quem insiste em punir mais, como se não fosse suficiente a dor que já sentiamos.
A dor que me assola, mata.
Nunca pedi nada.

Não quero nada.
Quero-me a mim.

Enebriei-me esta noite com pedaços do sonho verdadeiro, aquele em que me quebro, textos que me acarinham, imagens que procurei, palavras amigas, sitios que me habitam, gritei o mais alto que pude, estou aqui, em mim!

É este o meu verdadeiro patrimonio, o resto ilusão, o meu tempo passado, o tempo futuro, a minha vida e o meu despertar, estou só, sempre estive, a guerra foi-me delegada com medo da responsabilização, o meu mundo chama-me agora temente, oferecendo-me o que nunca tive mas mereci. O meu sonho, cansado divaga em prazeres reclamados e vazios que me feriam como a ele, punitivo.

Eu tinha razão em acreditar que o sonho não existe e descobri que o meu mundo deve ser a caminhada que começa aqui na direcção que, cega, sempre vi. E assim, o meu mundo e o meu sonho. E eu escolho-me a mim!
A banalidade de ver reflexo do que se é, do que se insiste ser, a regra do tempo que se impõe, estando ausente, a humilhação do meu sentir, de não se conjugarem verbos, mesmo distantes e entendidos, e acreditar, em quê?
Em mim!

quarta-feira, agosto 26, 2009

Maré vazia

As vagas, visitam os pés que enterrei na areia, presa em terra, torno-me enseada, dos remoinhos decrescentes, desistentes, descrentes... Pés cravados e maré vazia.Outrora, rodava um pé na areia e achava conquilhas nestas marés. Hoje, enterro os sentidos e olho o mar.

Vejo-o abraçar ilhas, conduzir barcos rumantes, amigar-se de ventos e estontear-se contra as arribas, não consigo deixar de sentir a solidão deste mar imenso, enquanto me assola a imaginação da sedução das conquistas.

Em silêncio, na minha praia, deserta e agora seca, as gaivotas ensaiam voos picados, as arribas escondem o Sol quente, areia fria, os ventos riem dominantes. Sou corpo em areia sedimentada, iluminada de uma frieza fulminante. Solto lágrimas libertadoras, desenterro-me.Emerge em mim...
O meu mar será sempre de um azul brilhante.

Cada grão, meu património, cada história, companhia, despida, fico cheia de uma vida que mereço, deixo uma pedra branca em cada passo, em direcção às planicies que me encantam, em busca do calor e do meu tempo.

As marés vazias precedem marés cheias.

terça-feira, agosto 25, 2009

Correntes Contrarias

Turbilhão vazio, imensidão oca e contigua, reclamo passadas vividas, pisadas minhas, feitas de sentido, de mim!

De mim, cheia de vida, sem tempo, eu sei, desfocadas e tão sentidas, mais que palavras, mais que silencios, gritavam alto os gestos que eram para ti.

O meu amor sentido, despertar de uma vida merecida, erguida de sonhos e conquistas, de tempos demorados e outros descompassados.

Hoje falo das correntes contrarias, das que tu julgas não conseguir ver em ti. Entendo o mesmo medo, entendo a solidão da ironia, entendo os rasgos dolorosos, ardentes da mente. Entendo os momentos adivinhados, mesmo que errados, em que a fé te abandona e a raiva te cega.

Entendo o tempo. Entendo.

Vejo te agora, de volta à barca, cega e calma, e cego tambem o olhar.

Embarco eu na junção das correntes, à porta do mar que não chegamos a navegar.

Correntes Adversas

No meio do meu caminho, cansada e desavinda, com a vida em desalinho, sento-me, naufraga das correntes adversas, da ironia da minha vida, no areal da minha praia deserta. A dormencia, não era um sono qualquer, fruto de gestos inconsequentes e caprichos carentes, era uma mulher perdida, entre o sonho e a vida, entre limites finitos, vontades e medos. Dormi dias, anos talvez, perdi-me do tempo, naufraguei nas correntes adversas do meu pensamento. A minha ausencia desperta, pedia caminho.

Esfrego os meus olhos de espanto, de corpo dorido, perdida nas descobertas e suspeita em palavras sofridas, ainda mais perdidas. A magnitude do meu olhar desenquadrado, quase me enlouqueceu e turvou a visão, como um fogo rasgado no ar, indecifravel, incompreensivel. As minhas mãos inquietas, a loucura dos meus gestos, pequenos, incongruentes, na escuridão, as minhas mãos que buscavam luz, uma luz qualquer, um alumiar de vida que guiasse um caminho que preciso percorrer.

Aos olhos que não veem, apenas olham, adquiri a imobilidade da pedra, atrasando lançá-la à terra, semente divina da qual germinaria a civilização, ideias claras, forte convicção, desgarrada e sem chão, confiada a missão solitária de mudar e governar a terra, fundar a civilização plena e glorificar os dogmas da criação e destruição. O meu sonho, levantar-me e caminhar.

Quebrou-me a desresponsabilização, a descoberta da banalidade, é minha esta cruzada, a alvorada da minha civilização, imposta pelo varejar do vento, do sol que descobri num abrir de porta, um sol que me esperava por tras da neblina. que agora se encobriu e apagou. Soltam-se verdades amigas, bandeiras de outrora, o sonho comanda a vida, mas as passadas seguidas não se transformam.

Foram muitas as horas em que tentei refrear um emergir vespertino, temente de não ter lugar, que obrigava a minha mente a rodopiar como se me lançasse num pião, tentando compreender, indagando a ironia, buscando ajuda e certeza nos meus passos. Certeza tão minha, de cada pedaço se erguer em busca deste sol, das epopeias de ideias, em noites claras, desafiando a minha razão.

Medito agora, "na libertação dos destroços do meu passado", o concilio divino, assiste, calado, em jeito de cortesia, invadem-me descobertas poeirentas, não me chamam, implacaveis, soltam gritos estridentes que me invadem e inundam de medo e desatenção.

Mergulho os meus pés na areia quente, este espaço reflete a minha solidão antes de me erguer, dilacerada e de cara ardente, esqueço as mãos dadas, relembro a minha caminhada, nas esquinas sombrias, invejando os casais abraçados e os abraços que não sinto.

Sei não poder falhar, rogarei aos deuses a capacidade de lamber as feridas que teimam em sangrar, debeis, os pedaços caidos, o despertar dos meus sentidos, olhos perdidos, caminharei em silencio, troco o meu mundo, recebo em volta, nada mais senão eu... O direito a falar mais alto, o direito de me mostrar, como sou, pequena...
O meu lugar....

Seguirei os loucos que, destemidos, penetram nos reinos povoados por demonios, confirmando a sua autenticidade, buscando o sonho, rumo à irracionalidade guardiã da razão. Leio a "Coragem para mudar" partidária, esquerdista, baseada em experiencia não vivida, observada, raiada de julgamentos certeiros.

Percorro a vida, em vivencias terrenas, desordeiras e desconexas, as minhas, não deixarei serem promotoras da minha essencia, o que sabia, sei mais hoje, jogada injusta, mas minha.

Estou cansada, sinto-me cheia e vazia de mim, sinto-me sozinha à ombreira da porta que abri, que já não é minha, rogo ao vento que leve este medo que me assola, desconcentra, ajusto-me na convicção, deito um olhar à desresponsabilização, hei-de saber, um dia que esta semente de vida foi regada por mim.

Lançar-me-ei ao mar, como um dia sonhei!

segunda-feira, agosto 24, 2009

Correntes prometidas

Desci do alto desta serra, parei no meu canto e deixei que o vento me remexesse, abanasse o meu corpo, lavasse a minha cara que hoje permanecia molhada e quente.
O tempo, o tempo!
Esta porta aberta ao mundo que não conheço, tirou-me vida construida e deu-me um horizonte que aspiro e me derrota, da minha porta, nao me vejo. Porta que nem é minha, semi aberta, de rompante, num abrir tão cheio de luz e de vida, da vida que conheço, que sonho.
No meio do mar, antes do horizonte, erguia-se um barco à deriva, sem rumo e em silencio. Daqueles silencios quase ensurdecedores, ao longe vi para além da bandeira hasteada, do leme solto,vi que me acenava despropositadamente, como se pretendesse mostrar que não via, não queria ver. Vi a magia das correntes prometidas que me falavam do mar, que rumavam perdidas mas na minha direcção.
Dei dois passos, descalcei-me e saboreei a areia, deixei que a agua me inundasse, fria, aquecendo a minha vontade de me inundar desse mar, na corrente convergente, rumo ao sol distraido que brilhava por mim nesse dia.
(continuará, um dia...)

Rasgo de Fogo

Os teus olhos hoje, viam-me, em jogos de palavras que ensaiamos num percurso já longo. Falavamos de emoções em jeito de silencio entoado em nós. Vi-te raiado do reflexo dos meus gestos, distante, conquistador do momento em que o "não" ecoa em gritos libertadores e empiricos, arrancados à razão que me assola e repreende.

Ajustam-se em mim as imagens denegridas do teu olhar, têm espaço para crescer, e eu, rendo-me a esse olhar que me atordoa, que já não entendo.

Entendo o teu corpo, a tua voz, entendo a razão. Hoje tão perto de ti, perdi-me na distancia que nos separa, e este rasgo de fogo que entrou agora em mim, despertando cada sentido, erguendo as muralhas do finito e do silencio, este pleno entendimento que o meu tempo findou. Obra minha, embargada até aqui, em jeito de laços e gestão falhada.

Ceguei-me em ti. Encontrei-me e não me sei ver, não tenho as mãos suficientemente grandes, julguei poder ve-las crescer ainda, julguei acreditar, acreditar mais ainda que esta semente demente de espanto e medo há-de acabar por morrer, que sou ainda capaz de lutar por mim. Sou racional ao ponto de ter tanto de medo de me perder quando já perdi. De acabar o que não começou e deste esvaziar do próprio vazio tão cheio de ti.

Quero que saibas que te amo em cada minuto do meu dia, quero que saibas que preciso de não te ver, porque quando te vejo, cego-me a mim, preciso de ver a minha obra erguida, uma casa branca, só minha, com flores à porta e o meu amigo comigo. Preciso de me erguer a mim!
Quero que saibas que entendo, que estou em ti, estarei sempre, que "tens razão"!

sábado, agosto 22, 2009

Entardecer

Entre a tarde e a noite, existe um momento que ultrapassa o próprio tempo.
Nestas planicies abençoadas, onde tudo pára e nada está parado, neste verde, nestes sobreiros com que cresci, esse instante funde-se nas cores de um terno anoitecer. As cores...
Faço o que a minha vontade me diz, paro e procuro beber tudo o que ali me é destinado.. É meu!
Poderia correr a vida inteira para encontrar um lugar assim no tempo!

Cresci aqui, sou fruto destes entardeceres, aprendi a calma contida neste viver, aprendi a dançar neste chão ancestral que açoita sempre quem insiste em não perceber..

Aprendi a deitar-me debaixo de mães grandiosas que sombreavam a luz e o calor, aprendi a dormir ao som do silencio, aprendi a não saber!

Neste momento, glamorizo a caminhada para aqui chegar, e parar, relembro o meu passado em que tudo era demasiadamente grande para os passos que sabia dar. Vejo agora como o tempo me parou.
Tenho saudades de mim, como desta estrada quente, tenho uma vontade tão grande de me abraçar por despida que estou, doi-me esta verdade como frases lançadas ao longe, erguidas de alguém que não sou mas que protagonizo, não sei porquê.

Lanço gritos de silencio. Não me ouço, não me vejo, inerte no tempo contado.

Ilusão

Tinham soprado ventos fortes e o frio ainda era sentido nas mãos que teimavam em não aquecer.
As ultimas horas, feitas de olhos cansados, tinham sido proveitosas, mas uma estranha sensação de vazio dilecerava-a desde o dia anterior.
Ouvira noutra boca, palavras suas que ousava calar sempre que ouvia. Eram rajadas de outro vento, tormentos tornados verdade , a simples negação desta forma de existir.
Saboreava a sensação de estar assim, de se permitir não querer saber.
As interrogações há muito que se haviam tornado arrogantes e desconexas.
Não queria mesmo saber. Queria viver, queria continuar sem parar antes para pensar.
Há perguntas que só fazem sentido caladas.
Qualquer resposta não vale nada.
Faltava qualquer coisa, não era só aquele vazio a que já estava acostumada, era um misto de opressão e desilusão.
Esta dor que a transborda agora, que desperta o desencanto de uma verdade postuma, sem dia, sem hora, fruto erguido, semente já morta...
Que doce a ilusão...

Lua Adversa

Cecilia Meireles

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...

E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

sexta-feira, agosto 21, 2009

Song to the Siren

On the floating,
shapeless oceans
I did all my best to smile
til your singing eyes and fingers
drew me loving into your eyes.

And you sang
"Sail to me, sail to me;
Let me enfold you."

Here I am, here
I am waiting to hold you.
Did I dream
you dreamed about me?
Were you here
when I was full sail?

Now my foolish boat is leaning, b
roken love lost on your rocks.
For you sang,

"Touch me not, touch me not,
come back tomorrow."
Oh my heart,
oh my heart shies from the sorrow.

I'm as puzzled as a newborn child.
I'm as riddled as the tide.
Should I stand amid the breakers?
Or shall I lie with death my bride?

Hear me sing:
"Swim to me, swim to me,
let me enfold you."
"Here I am. Here I am, waiting to hold you."

Elizabeth Frazer

Hoje

Hoje li, escrevi, recordei, sonhei.
Tenho saudades.
Tenho tantas memórias bonitas que me aquecem...
Palavras que me reconfortam, sentidas e pronunciadas por quem está em mim.
Eu própria tento em vão, engrandecer-me, dar-me o abraço que precisei tanto, soltar-me nos sorrisos do meu passado.
Sinto que caminho, nas pegadas antes ensaiadas, agora só minhas, arrisco uma vez, aprendo, sei que vou tropeçar de vez em quando, mas aspiro a escuridão que me ilumina.
Sou menina, sabes? Sei que sou diferente, meio louca, ainda demencia não experimentada, não sei sentar-me direita, não sei estar na maior parte dos lugares, sou envergonhada quando me olham de frente, aprendi cedo a fugir perante os reparos do que é "estar como deve ser".
Na maior parte das vezes sinto-me sozinha e esquecida, mas há algum tempo dei com os meus olhos a brilhar ao espelho.
Sei que as minhas palavras são meio desfocadas, sentidas e por isso, desconexas a quem as lê.
Não preciso de falar alto, só de me ouvir quando estou assim, conversar comigo e recordar, cada lugar, cada momento que ergui para mim, de pó sedento e terra árida e que germinou em cores feitas assim, sem nexo, sem tempo, mas guardadas em caixinhas de tesouros que me valem nos momentos em que entro em mim.
Tinha medo da solidão que nunca me atrevi a saborear, parecia-me escura e fria.
Mas sabes, hoje lembrei-me que tenho luz em mim, que o meu sorriso me é devolvido em mil mensagens qua ainda não sei ler. Que a solidão não é exclusão, remissão, omissão, tem vida, a minha alma já por lá viajou e contou-me histórias já minhas. Tenho medo porquê?
Basta que ame como te amo, sabes? Mesmo que não, não prescindo deste sentir que seria sempre tão meu, como a primeira voz brotada quando acordo, depois de sonhar contigo, mesmo havendo raios de azul e loucuras preferidas, nunca me demoveriam de te amar assim. Faz parte de mim, sabes?
Descobri contigo que amar é mais que eu, tão mais que resposta, é cada momento que não penso e tu estavas comigo, é aquele luar que do outro lado me mostrava a tua face, de olhos descobertos, e se calhar, tens razão, és uma imagem só minha.
Vou guardá-la então para mim.
Por isso, sou a "mulher" mais feliz do mundo. A meio do percurso, descobri que sou capaz de amar assim!
Hoje segurei o que tinha guardado para ti, dei um nó à volta do meu braço, e encerrei assim a minha mais pura verdade, acenei ao acaso e lembrei-me de tantos que não sentem assim.
As palavras concretizadas, as cruzadas de condão, o poderio da razão, fechados no lago que cruzei, ficaram onde pertencem, de mãos dadas com as vivencias sonhadas e reclamadas quando, ao olhares em frente, ver-me-ias a mim, feliz, sem ti mas a amar-te mesmo assim.
Os sitios que sonhei ir contigo, visitei-os contigo em mim, as palavras que quis ouvir, ouvi-as no silencio, os gestos que reclamei de mim, ficam comigo, a verdade do que sinto, tremo só de pensar em ti, não são os gestos meigos ou firmes, nem o meu respirar, és tu, a minha visão de ti, que às vezes penso que nem tu vês, perdido como eu, nas razões do ser, do estar ou não estar, nas fugas ou encontros de outros estares mais quentes que eu, no medo igual ao meu,..
Hoje sonhei contigo. Olhavas e rias só para mim.
É assim que ficas em mim e, se um dia te quiseres visitar, na forma como te vejo, pensa que há uma alma pequena que te guarda.
Entendes que nunca serás nem besta nem bestial, nunca terás menos que o que sinto e que sei se transformará, com o tempo, sei também que te quero bem, que cegarei a raiva de te ver azulado ou igual aos outros, nessa altura, olharei para mim, sei que te amo como não amei ninguém e falo agora claro, sem imagens que não a tua, a que vejo, a que sinto, sei que corri para ti e não estavas mais lá, é irónica a minha eterna zanga com este meu tempo descompassado e que, mesmo assim, teimo em entender, desentendendo.
Os jogos que te erguem e sustentam, a verdade que ocultam e que vi algures, sei que escondem tanto mais, sei que nas certezas que me apontas, lanças as mesmas chamas sedentas de coragem, tua, minha, do tempo que foi, do espaço ao qual não volto mesmo que a seguir roa as unhas por inteiro.
Vou me lembrar de ti assim.

Almareada

Estou estafada, calmada, almareada.

Odeio quem me julga sem saber, odeio quem me adjectiva sem ver, odeio falsos entendedores e atiradores gratuitos de venenos transparentes. Odeio o enaltecimento circunstancial a qualquer custo, detesto partidarismos e filosofias demarcadas.
Os diminutivos existem como existem as novas vagas teoricas a que todos aderem. O que hoje é ser diferente e secreto, é só e apenas alimentar as divisas, a esquerda e a direita, o junkie e o betinho.
Ser-se só não existe, tem que se ter um rótulo e ser julgado, adjectivado e enquadrado num grupo ou grupinho. Ontem os betinhos faziam sucesso, hoje acorremos ao avante e aclamamos a utopia dos inversos. Hoje fica bem ser diferente.
Que tal a coragem da fraqueza de não saber? Que tal gostar dos inhos por sentirmos carinho? Somos mais pequenos?
Que tal olharmos nos olhos de pessoas, fracas, errantes, almas sem nexo, que sentem antes de entender? Que tal sermos mesmo especiais?
Até o teu principio e o teu fim tem que ter um nome que atribuis à dor e ao engano, tanto como à paixão e ao desengano, até amar é pautado.
Vou pedir ao teu Deus que te devolva à força do vento, que encontres ombros, e raios de luz, que te descanse, que te refaça facilmente incapaz mas audaz e livre.
Eu gosto de todos, ricos, pobres, velhos e novos, esquerdinos e destros, gosto dos loucos e dos sabedores, gosto de me sentir aqui sem nunca saber o que sou. Gosto de ao menos poder aceitar.
Estive numa quinta com todos e eramos todos assim, despidos do que trouxeramos e construiramos, eramos pedintes de liberdade em simplesmente nos ser devido ser. Estive numa rua sobre um rio de esgoto e vendi-me em troco de mim, estive sentada em cadeiras de mogno e fui servida e vendi-me na mesma, estive trocada pela vontade de não cair, ouvi gregos e troianos e não aderi, debruço-me na lama que gosto e aceito uma cama de linho a seguir. A dificuldade é ser assim...?!
Sei inundar-me de água quente e já sofri em frente a um poço de agua gelada, hoje recordo esses sitios onde passei, sem treguas, sem magoa, aprendi.
Aprendi com os homens por que passei na minha vida, justos, cavalheiros, fortes, bandidos, lindos e inteligentes, eram homens a quem me dei sabendo serem tão mais que isso. A primeira imagem é falsa, a segunda é apaixonada e termina na certeza do desencanto. Mas porra, aprendi, aprendi a não confiar, a defender-me, e odeio ser assim.
Gosto dos falsos por serem verdadeiros e desminto os verdadeiros em busca de serem falsos. Gosto de saber que não há tipificações, há aparências e afinal é tão mais facil dizer alto ... "Eu sou assim". É comodo, limita-nos e ganhamos a façanha de julgar.
Eu sou falsa, desminto-me todos os dias mal acordo, o que sei hoje, amanhã reinvento, sou birrenta e carinhosa, sou rica e pobre, sou filha do sol e da lua, cresci a ver amor e engano, desaprendi a palavra acreditar, Amo-te e não te ouço. Tu não sabes, porque já sabes.
As tuas mãos grandes, adjectivadas, seriam iguais a outras que me roubaram o meu encanto de menina, o teu condão seria denominado perdão e o teu olhar brilha tanto como o meu, mas tu já sabes demais de mim. Sinto o que sinto, ponto!!!
Apetece-me ser outra Sandra, confundir-me com uma falsa betinha ou então voltar às ruas escuras que me atraem tanto, apetece-me desapaixonar-me porque em duas horas, deixei de ser feliz com o que sinto... E Vês? Sou o quê? Antes e agora? Parva? Beta, falsa sabedora ou ignorante?
Estou almareada com tanto dom, tanto conhecimento mais que empirico, de mestre ilustrado e "experiente".
Sou o que sou. E se sou parca em acção, viva ! Sou lenta também... E chama-me burra por ao ver, nem entender... Há gestos meus, só meus que no teu conhecimento quase pleno nem soubeste ver. Deve haver um nome para isso também!

Escrita há muitos dias

Do outro lado da Lua


Permaneço imovel na escuridão
Amanheceu
E guardo em cada mão,
um laço sem tempo, nem regaço
Sinto água que se move
debaixo dos meus pés descalços
Água fria, transparente
Sem reservas
Sem me ver.

Passos soltos
Sopros,
Laços
Do outro lado da lua
Vejo-me cheia, tua
Naufrago nas aguas que correm
Devolvo-me à corrente
De saudade.

Dias

Ontem cruzei-me com uns olhos tristes, vidrados, embaciados, lembrei-me que os vi antes, onde não havia noites nem dias, era metade vazia, engasgada pela clarividência cega e moribunda. Baixei eu os olhos, dei-lhe o que tinha, daria quase tudo. Já não se usa o CM em canudo, basta a mão, já sabemos, os passos que percorri foi a pensar naquela vida, na verdadeira solidão acompanhada de um pedaço de veneno todos os dias, olhei para trás, olhei-me numa montra, e atrás dela, um livro antigo de Balzac e em baixo um escrito que me esqueci. Os olhos já não estavam, parei, curvei-me no chão à procura do que nunca encontro na confusão da minha mala, acendi um cigarro e ouvi, calada, ouvi a voz da minha cidade.

Escrita há dias!!!

Caminho


Tento fechar nas minhas mãos as forças estritamente necessárias para a sentida compreensão.

Ornamentada de minutos ocupados, de simples passos num qualquer sentido, vou ouvindo silencio em voz de razão, vou guardando a saudade, calando uma desnorteante vontade. Mantenho a força a qualquer custo, arte demente.
Vou andando.


Assimilei os códigos.

Desfaço-me na margem de cá, na simples imensidão que eles ditam, recolho os meus, pedaços, sentidos. Retenho a imagem de uma ampulheta caida, instrumento adverso, já sem vida. Coloco-me ao lado do meu tempo, apertei-lhe a mão, arrisco confiar-lhe sentido.


Esqueço a reacção, aquela minha eterna inimiga.

Desgastada, tambem eu sem vida, oponho-me ao protagonismo.

Antes lancei-me em queda livre, arranquei-me de mim até entender, reler tudo do inicio, juntar os espaços e recordar.
Assola-me a loucura da lucidez agora.


É hora não minha.

É nova a hora, nunca tracei o caminho, e nesta terra sem vida, remexo, estremeço, só isso, em busca da minha, olho por algo tão maior e de facil compreensão cujo reflexo não peço, não pediria, por essa imagem caida.


Quero muito mais que isso, quero o tamanho que tem, quero a vida, o caminho sonhado e sentido não foi percorrido, não tem expressão.
Invadem-me em tempo de fraqueza, imagens vividas, agarro-as, peço-lhes vida e atiro-as em seguida à corrente.

A minha avó está de partida e o meu corpo ressente ainda agora cada visita, em forma de dormencia e vazio para a seguir me assolar de culpa por não ser diferente.
O meu pai ontem lembrou-me que me adora e tem saudades minhas. Tem razão!
O que pensava ser distancia, invade-me agora em multiplas formas de reacção postuma.
Rezo pela cruzada do meu tempo, apetece-me pedir desculpa à vida, infantilidades que me fazem como sou.


Estou desligada!

quinta-feira, agosto 20, 2009

Quem

Não faço ideia quem é a personagem.
Mas de onde é que veio este locutor do Canal do Benfica???

quarta-feira, agosto 19, 2009

Às voltas...

Sou só eu que tenho a sensação que estamos empenhamos na estupidificação colectiva???
Alguém tem visto aquele programinha do João Baião (que por si só já é anedotico) nestas tardes? Acho que se chama Há Verão!!!



E assim se passa a palavra, ou não!!!!

quarta-feira, agosto 12, 2009

Tempo

O tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.

Eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava.
Era tua a tua voz que dizia as palavras da vida.
Era o teu rosto.
Era a tua pele.

Antes de te conhecer,
existias nas árvores e nos montes e nas nuvens
que olhava ao fim da tarde.

Muito longe de mim,
dentro de mim, eras tu a claridade

José Luis Peixoto

sexta-feira, julho 17, 2009

Valha-me Deus

E com esta me vou. Depois disto até já me sinto melhor!!!

quinta-feira, julho 16, 2009

Continuação

Hoje acordei, como sempre, atenta às noticias da manhã.
Ouvi o nosso querido Constâncio anunciar as previsões para a economia portuguesa e a seguir, a previsão meteorológica. Pareceram-me iguais!
Será que este homenzinho não se questiona?
"Vamos ter ainda uns meses de alguma recessão mas em seguida prevê-se uma melhoria das condições da economia"
"Hoje vamos ter ainda alguma nebulosidade de manhã mas, para a tarde, prevê-se uma melhoria geral do estado do tempo"
Há quanto tempo andamos nisto?
Logo de seguida, para acordar de vez, ouço o palerma mor a dizer com ar triunfante que "desde 95 não tinhamos uma descida da desigualdade social como a que verificamos agora". Que bom!
Sinto-me igual outra vez!!!
Depois, as noticias bombasticas a que nos acostumaram, que parecem propositadas para minimizar o efeito das outras, das que mexem com a minha vida, o amorfismo reinante, a falta de coerencia, afinal não serei só eu a ter dificuldades em tomar decisoes.
A seguir e a titulo de indagação:
Sou só eu que sinto uma invasão de condutores a 30 à hora nas estradas portuguesas?
Ontem vi um ciclista ultrapassar um carro que, claro, ia à minha frente..

sábado, julho 04, 2009

Touradas

Estamos num pais de touradas, eu sei, mas não sei!!

O que é isto?

quarta-feira, julho 01, 2009

Não era...

"Sentia uma vontade violenta de me desmoronar em ti. Não, não era fazer amor. Fazer amor não existe, porra. O amor desaba sobre nós já feito, não o controlamos (...) Eu queria oferecer-te o meu corpo para que o absorvesses no teu. Para que me fizesses desaparecer nos teus ossos."

Vergílio Ferreira

Obrigada

Obrigada é mais do que tudo o que posso dizer. Se nas minhas palavras se escondiam os segredos das lágrimas, desvendaste bem todos os silêncios pousados à beira-mar do incerto.
Espero por ti, para ti, em todas as noites que já não me sinto só e almejo pelas minhas mãos vazias enlaçadas no teu abraço. E com os olhos fechados me despeço em desejos pequeninos, me derramo na loucura que são os meus sentidos e esqueço a vergonha para trás. Sempre. Obrigada.

Vergilio Ferreira "Cartas a Sandra"

Sou Vida

Carrego no peito um coração que pulsa e uma esponja que suga o mundo.
Sou celeiro dos pedaços colhidos ao longo das trilhas percorridas
e das escolhas feitas na leve certeza de estar aqui.

Por vezes, sou apenas fragmentos.
Só assim existo.
Despedacei-me tantas vezes julguei necessárias
e tantas outras erigi o molde em mim.

Fui correnteza bravia arrastando anseios guardados em ermos espaços
meu e de outros.
Também laguna,
Ave faminta em jardins de esperanças, suguei o néctar de cada flor para nutrir ilusões.
Experimentei misturas que brotam no seio vida.

Fui vida.
E porque ousei ser e não ser
[negando a homogeneidade de meus contornos]
suplantei vicissitudes.

Hoje sou paiol.
Pulsante, sorvo a concretude liquefeita,
absorvo e regurgito ais, alegrias.
Sou vida.

De repente


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.

Vinicius

Aqui, recomeço...

Levanto-me de uma nuvem branca de pó.
Sacudo a poeira, levanto a cabeça e olho em volta. Nada está no seu lugar.
Noutro sitio, escrevi até me cansar, meti férias, transportei-me para aqui.
Aqui, recomeço...

quinta-feira, junho 25, 2009

Verdade

Fui descendo a rampa e tinha uns soluços guardados que me molharam a cara, perante o olhar acostumado dos vendedores da rua, confrontei as minhas pernas para se apressarem, preferia ter corrido mas já antes escorreguei naquela descida. Senti-me uma estranha na minha cidade, sentei-me perto do corrimão verde e chorei, mas uma voz cá dentro foi falando cada vez mais alto, mais clara.
Senti-me rebentar de raiva e vergonha. Olhei em volta e vi gente que deambulava na estrada mais presente. Onde estou eu?

"Estás aqui, és tu, Sandra, lembras-te?"

Estava ali, cansada, a luz tornou-se escuridão e essa voz cada vez mais clara foi-me enfrentando.

"Não"

A palavra ressoou em pancadas, fez-me estremecer.

Antes, outra voz soara em mim, sentida e quase magoada.
"Luta por mim!
Luta ao meu lado e não contra mim!
Não te reduzas à fraqueza e insignificancia do que os teus olhos veem e os teus gestos alcançam, e sonha!
Dá-me a paz e segurança que preciso, mostra-me o valor que eu tenho para ti!
Não é dificil porque a minha vontade é já tua aliada.
Enquanto fabricas raciocinios elaborados para orquestrar o caminho, deixaste de me ver, limitaste-me e isso assusta-me.
Sou mais que isso, tenho uma nuvem à minha volta mas a minha luz brilhou sempre para ti.
Mostra que estás comigo, que és capaz!
Quero ir contigo, não sei viver sem ti!
Mostra-me que sou especial e que os meus dois AA sobressaem dos outros.
Não me julgues porque não sabes.
Mostra a força que tens comigo! "

Fechei-me no carro, perdi o bilhete de estacionamento, odiei esta distancia que me tem afastado de mim, gritei com a minha alma toda ao desgraçado da Caixa, encontrei o bilhete, paguei, pedi desculpa e subi de novo para a minha cidade.
Enquanto à direita da Avenida, a dormencia me chamava, olhei em frente, procurei na minha mente, rebusquei em todo o lado, o que valho, o que sinto, o que sou, levantei a voz a mim mesma, redefeni-me em segundos.

"Não, não, não!!!
Não me mereces, não acreditaste em mim, não confiaste, não quiseste.
Não viste o mais que os meus olhos te disseram, não percebeste nada!
A razão apoderou-se de ti. Vivam os seres pensantes!"

Tambem não, Sandra, Vivam os dementes!

Quero-me de volta, preciso das forças que me definem para me erguer. Onde devo não é aqui, aqui senti, aqui descobri, nada na minha vida me foi dado de mão beijada, um mar de vontade tomou conta de mim, abracei a minha cidade nas cores em que a revejo, disse-lhe "já volto" e provavelmente esqueci-me do radar de velocidade.
Jurei a mim mesma integridade.
A minha metade de mim não me pertence e despedi-me dela para sempre.
Só hoje não chega para enxotar, para sempre!
Meses cheios de mim, sem espaço nem lugar, há-de haver um tribunal que me condene pelo crime que cometi, apontado e falado por ti, dono da razão e da integridade, mais ainda por mim!

À frente, parada, sobressaltada e assolada com a minha força quase desumana, com a verdade já clara e decidida, despedida de mão apertada, abri o vidro da carrinha e suspirei com as contrariedades. Estava a saber-me tão bem acelerar, chegar depressa para falar. Estrada cortada, sirenes, helicopteros, o meu telemovel tocava "estou bem, não sei o que se passa".
Sai do carro, andei, andei muito e embrenhei-me num grupo que falava com expressão do Norte "Vamos estar aqui até a meia-noite, virou-se um autocarro ali a frente". Andei mais e dei comigo a caminhar ao lado de mais gente igual a mim, não sabia porque andava, não suportava a prisão de estar fechada, percebi a analogia e sorri.
Mais a frente, cruzei-me com dois homens que alegremente perguntavam "Alguem quer coca-cola?", e a senhora do carro ao lado, inteligentemente loura perguntava "Não tem agua ?" .
Naquele bloqueio de estrada reconheci vida em mim, falei com estranhos que me pareciam familiares, senti bocadinhos da estrada por onde ando e nunca vi, lembrei-me de lugares e senti voltar-me a mim. Perdi. Perdi tanto mas estou aqui!

Vi imagens tristes, gente perdida, um autocarro mergulhado no pasto, sangue na estrada, pedaços de betão aparentemente indestrutiveis espalhados, soltei um ultimo soluço e tudo aquilo me mostrava o fecho deste conto, tudo tinha o sabor da metafora e da alegoria que agora vejo.

Abri os vidros e saboreei a distancia, equacionei a historia da minha vida nos kms que faltavam e , na ultima curva da estrada, naquela em que me desviava, disse o mesmo adeus que dizia, nos dias que sonhava.
Abri a porta da minha casa, reparei no tanto que já fiz, abracei o meu amigo de sempre que agora me recebe com uma almofada e entrei no silencio que enfrento. Não liguei a TV, abri a porta de par em par, deixei o ar entrar, telefonei a uma voz amiga, para não dizer nada a não ser que estou aqui.
O meu amanhecer começa aqui.

Já não tenho medo da estrada, ela ensinou-me que quando perco, ganho, quando paro, vivo e, Meu Deus, como eu quero viver! Venha o que vier, estou aqui, aguarda-me a minha palavra e a decisão tomada. Não sou uma qualquer, sou diferente, sei que sou, sou demente, consciente, emocional e racional, gosto do que não preciso, amarro-me porque tenho medo, mas sou alma e não dependo na verdade.
A minha vida vale mais que isso.

terça-feira, junho 23, 2009

Escrever

Já não me sentia livre para escrever. Preciso de escrever.
Ainda tenho esta força nas minhas mãos de me libertar desta coisa que sinto que me invade a alma reclamando, doendo.
Não consigo descansar, não consigo parar, revejo-me há 8 anos, sem amarras nem rumo, perdida em mil sopros de vida que não me pertenciam. Estou cansada e tão magoada.
Ouço a mesma musica vezes sem conta que se converte no ritmo da minha respiração, encaro os livros e não leio, enveredei pelo modo automático de agir, porque a minha mente está em todo o lado menos aqui.
A minha voz regurgita palavras que me saem sem sentido ou com demasiada exaustão, sinto vergonha enquanto uma magoa e dor me invadem. Como fui eu capaz de me deixar chegar aqui?
Preciso de gritar alto, porque não falo.
Estou sem razão e, não me ouvi durante todo o dia.

Saudade

- Sinto saudades tuas. - A voz mantinha o mesmo timbre seguro e circunspecto com que acabara de comentar a inexistencia da suposta maravilha fisica que apesar de se ver, não se chega lá. Nestas alturas, renasce aquele silencio tão mais forte que as palavras que os unem.

Em volta, na curva da estrada, no caminho que percorrem alternadamente, em sentidos opostos e na mesma direcção, o mundo tem o dom de esperar que se olhem, de entender o que sentem.

- Sinto saudades tuas como ontem senti antes de te deixar.

Ela procurou as palavras certas, as mãos fecharam-se nas suas, e, sem encontrar, restava-lhe sentir o calor da face e dos sentidos que há muito haviam retornado desse tempo parado no tempo e ensinado o seu lugar eterno.

O seu lugar ao seu lado.

quinta-feira, março 26, 2009

O teu olhar

O teu olhar atordoa-me.
És mestre de desconcertos na minha vida. Baralhaste e voltaste a dar.
Banal de inicio, em palavras soltas e sofregos de alma, fui-me despindo sem querer. Os silencios falados envolviam-me cada passo, ouvia falar de mim.
Os sentidos calavam a voz da razão, guerreiros da paz e dos silencios, adormeciamos aquecidos pela força de lugares comuns e pensamentos contrarios. Como se toda a vida se refletisse em ti e as tuas palavras fossem um espelho de mim. Contigo, ergui as minhas espadas e tornei-te o meu lugar querido.
Viajamos aqui, percorremos vidas em conjunto, transformamos em voz os silencios e calamo-nos em gritos de razão.
Vi-te sol e inimigo. Vi um mar revolto em que me quis perder e não voltar. Vi a chegada à partida, vi a caminhada sem esforço, vi o som de me deixar viver.
Guerreamo-nos em silencio, as nossas caras ferveram no toque dos dedos que teimavam em dizer. Ousamos querer muito mais do que o nosso olhar alcançava.
Desassossegaste-me e zangaste-te comigo, remexeste-me a convicção deste ser julgado anonimo e sem expressão. Despiste-me de outra ilusão, rasgaste a razão, fizeste-me mergulhar nesse mar revolto em dias de suposta calmaria.
Na tela que pintamos, dançavam corpos àvidos de vida e apaziguados de solidão, vivi uma vida contigo, antes mesmo de te conhecer. Foi tanto este meu querer que me atrevi a querer não ter. A aspirar cada pedaço do teu olhar, a ler a linguagem da tua calma e a força do teu querer.
Fomos grandes ao ponto de crescermos em cada passo silencioso, em que os sons e as cores se tornavam iguais. Ouço-te antes de falares, quis-te sem te ter, és meu sem o seres. És mar salgado e infinito que tomou agora o seu lugar.
És hoje a calmaria em dias de tempestade, és a certeza do sonho, a convicção das vontades e a força das verdades. És amargo de boca, planicie temperada, conteudo incompleto, metade do meu todo.
Foi grande esta caminhada impensada e orquestrada por madrugadas sentidas e despidas das presas das analogias e vontades. Nesta clareira iluminada, o abraço prolongou-se até aqui, enchi-te de mim para sempre sabedora de não teres fim.
Ensinaste-me o meu ser.
Aturas-te em mim.
És cada vez mais um mar sem horizonte definido. Meu amigo de verdade. Minha imagem por decifrar.
Hoje estás dentro de mim, desassossegas-me com o teu olhar do mesmo mar, demos as mãos em silencio, calamos a tempestade e adormecemos de mãos dadas. Saltamos as reservas do caminho e saboreamos o vento de cada momento, feito de tudo e de nada.
Estarei sempre no teu caminho, de lenço estendido, para além do silencio da estrada, feito do meu olhar de menina resgatada das feridas e dos contos inventados.
És grande meu amigo, capaz de saltar desse estrada, só para te encontrares comigo!

domingo, março 08, 2009

Jorge Palma

Tive quase a morrer mas consegui escapar.
Tenho visto muita gente a morrer devagar
O meu lugar é andar e o meu passo é correr
jorge palma

sexta-feira, março 06, 2009

Historia Minha

Tinha umas jardineiras que adorava. Eram bonitas, ficavam-me bem no meu corpo recem descoberto de adolescente aspirante a mulher. Com elas, combinava sempre uma t-shirt branca e umas sapatilhas. O quadro ficava completo com o meu cabelo comprido e encaracolado, apanhado atras. Nunca demorava mais de 5 minutos a vestir-me.

O ano passara a correr. Orgulhava-me agora de um esforço quase desumano, pelo menos assim parecia nessa altura. Chegara ali, segurando nas minhas mãos pequenas o bastião da glória alcançada, horas, dias sem dormir com a cafeteira de café ao lado e mil livros espalhados à minha volta. Mas conseguira.

Sentia o orgulho com que o meu pai relatava aos amigos a obvia e expectavel entrada da filha na Universidade, como se nada mais fosse de esperar de mim. Eu assentia, convicta que ele continuava demasiadamente confiante.

Mal chegara, largara as malas e correra para a praia. Só parei mergulhada naquele mar quente e verde que conhecia desde pequena. A vida sorria-me. Lembro-me da leveza daqueles momentos cheios de sonhos feitos de certezas e vontades feitas de fantasias.

Amigos crescidos naquele ano, o calor merecido daquele lugar que me tinha visto crescer Verão após Verão. Sempre adorei esse lugar.

Foi nesse Verão que, segundo a história, me tornei mulher. Numa noite quente, escondidos no areal sem fim, perdidos em beijos que duravam até à falta de ar, secos de sal e molhados de mar, foi nesse momento que percebi que aquela sede não me deixaria mais, como uma necessidade vital que acabara de encontrar. Nessa noite percebi tambem que precisava de me despedir das jardineiras.

Era tão menina. Senti-me tão mulher.

Lembro-me de ser capaz de sentir, pensar, embebedar-me para sempre, o ser em que me envolvia fazia estremecer cada poro da minha pele, o corpo dançava ao som das suas mãos e uma dormencia de consciencia foi baixando em mim. Descobria a fonte da minha vida.

Alguem me dissera que a primeira vez não valia. Para mim foi uma vida de prazer.

Ainda menina sonhara com querer e decidir. Ali, naquele momento, a voz calou-se no mais fundo de mim, sentir era a descoberta de um mar de extase muito maior do que aquele outro que soava tão perto.

Era instintivo, sabia tudo, queria saber mais.

Nesse Verão de que me lembrei hoje não voltaria a mesma menina e nem me sentiria mais mulher. perdi-me nessa noite na descoberta de sentir prazer.

quinta-feira, março 05, 2009

Ninguém disse que os dias eram nossos


Ninguém disse que os dias eram nossos
Ninguém prometeu nada
Fui eu que julgei que podia arrancar sempre, mais uma madrugada.
E deixar-me devorar pelos sentidos,
E rasgar-me do mais fundo que ha em mim.
Emaranhar-me no mundo, e morrer por ser preciso,
Nunca por chegar ao fim.

Mafalda Veiga

The last knit

Estranha

Sou mulher.
Como um jogo solitário, um puzzle dificil de encaixar, com peças soltas e outras no seu lugar.
Nas horas que passo sozinha, revejo episodios na minha vida e tento entender, sem adjectivar, apenas identificar esta e outras equações que identificam esta minha forma de ser.
Os corpos ganham forma à medida que a minha procura de razoes vai adicionando sonhos e vivencias a este quadro.
Cresci com a estranha sensação que não pertencia aqui, que em meu redor as gentes pareciam saber sempre a direcção a seguir. Eu não. Glamorizava sonhos possiveis, imaginava viagens necessárias, nunca estava aqui, desenhei os contornos dos homens que amaria; e nada se refletia na minha imagem em frente ao espelho.
Sempre vi uma estranha em frente ao espelho.
Decadas mais tarde, nada mudou.
Sou me familiarmente estranha.