domingo, março 21, 2010



Sem palavras... Desfiz-me a ver este documentário.

sábado, março 20, 2010


 "A noite é a sua presença. Lá fora,a lua e as estrelas seguram a noite sobre as árvores, obre as casas e sobre qualquer pessoa que ainda caminhe sozinha pelas ruas da vila. Aqui,a noite é a cama de ferro e os lençóis brancos, estendidos,limpos. O meu quarto éo sítio onde posso existir sozinho e sem segredos. Aqui,a noite é o som quase silencioso do pavio do candeeiro de petróleo a arder lentamente.(...)"

 José Luís Peixoto 
excerto de "Antídoto"

sexta-feira, março 19, 2010

Canção de Madrugar

De linho te vesti
de nardos te enfeitei
amor que nunca vi
mas sei.

Sei dos teus olhos acesos na noite
- sinais de bem despertar -
sei dos teus braços abertos a todos
que morrem devagar.

Sei meu amor inventado que um dia
teu corpo pode acender
uma fogueira de sol e de fúria
que nos verá nascer.

Irei beber em ti
o vinho que pisei
o fel do que sofri
e dei.

Dei do meu corpo um chicote de força.
Rasei meus olhos com água.
Dei do meu sangue uma espada de raiva
e uma lança de mágoa.

Dei do meu sonho uma corda de insónias
cravei meus braços com setas
descobri rosas alarguei cidades
e construí poetas.

E nunca te encontrei
na estrada do que fiz
amor que nunca logrei
mas quis.

Sei meu amor inventado que um dia
teu corpo há-de acender
uma fogueira de sol e de fúria
que nos verá nascer.

Então:
nem choros nem medos nem uivos
nem gritos nem pedras nem facas
nem fomes nem secas nem feras
nem ferros nem farpas nem farsas
nem forcas nem cardos nem dardos

nem guerras

José Carlos Ary dos Santos

quarta-feira, março 17, 2010


Poderia estar agora em Washington, ter já percorrido as alas de conhecimento e prestar-me ares de topo, julgar-me diferente e do "contra" e procurar um cantinho onde se comesse, pelo menos, uma sopa, e de seguidinha, embevecer-me-ia, com mais um estudo, desta feita do ilustre senhor David Bossie, cujo documentário doutamente conclusivo atribui a culpa disto tudo aos hippies da era "Make love, not War".
Já mais à esquerda, ouvir-se-ia uma ala iluminada por Steinhorn, em defesa daqueles "que atribuiram direitos civis aos negros, mulheres e gays". (Ainda bem que se lembraram de todos).
Concordo com a mudança dos tempos e até visualizo umas Janis Joplins sentadas em Wall Street a especular com titulos de alto risco, enquanto assobiam "It`s a beatifull day"... Ainda assim, prefiro pensar num processo de "ignorânciação". Em terra de cegos, quem tem..."
A par desta descoberta fundamental, soube agora mesmo, que afinal a minha bisavó tinha razão. O bagaço tem altos poderes curativos e preventivos, imagine-se... Deve ter sido concluido após a descoberta da senhora de 130 anos que bebe vodka. 
E de seguida, vou aprender qual é a probabilidade de, quando entrar na sala de aula, ser mulher, ou outra coisa qualquer, negra, gay ou bebeda. Vou ver...

sexta-feira, março 12, 2010

Ontem à noite, depois da sua partida definitiva,
fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque,
fui para ali onde fico sempre no mês de junho,
esse mês que inaugura o Inverno.


Tinha varrido a casa,
tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral.

Estava tudo depurado de vida,
isento,
vazio de sinais, e depois disse para comigo:
vou começar a escrever
para me curar da mentira de um amor que acaba.


Tinha lavado as minhas coisas,
quatro coisas,
estava tudo limpo, o meu corpo, o meu cabelo, a minha roupa,
e também aquilo que encerrava o todo,
o corpo e a roupa,
estes quartos,
esta casa,
este parque.


E depois comecei a escrever...


Marguerite Duras


textos secretos
Estações alciónias,
solstício dos meus dias ...

Longe de embelezar, à distância,
a minha felicidade,
devo lutar para lhe não turvar a imagem;
a sua própria recordação
é hoje demasiado forte para mim.

Mais sincero que a maioria dos homens,
confesso sem rodeios
as causas secretas dessa felicidade:
aquela calma tão propícia aos trabalhos
e às disciplinas
parece-me um dos mais belos efeitos
do amor.


E espanto-me
de que estas alegrias tão precárias,
tão raramente perfeitas no decorrer de uma vida humana,
sob qualquer aspecto
além de que nós os tenhamos procurado
e recebido,
sejam consideradas com tanta desconfiança
por pretendidos sábios,
que eles receiem o seu hábito e excesso
em vez de temer a sua falta e perda,
que passem a tiranizar os sentidos
um tempo que seria mais bem empregado
a ordenar ou a embelezar a alma.

Naquela época
punha em fortalecer a minha felicidade, apreciá-la,
e também em julgá-la,
a atenção que sempre dispensara aos mais pequenos pormenores
dos meus actos;
e que é a própria voluptuosidade
senão um momento de atenção apaixonada do corpo?

Toda a felicidade é uma obra-prima:
o menor erro falseia-a,
a menor hesitação altera-a,
a menor deselegância desfeia-a,
a menor estupidez embrutece-a.


A minha
não é responsável em coisa alguma por aquelas
das minhas imprudências
que mais tarde a quebraram.

Julgo ainda
que teria sido possível a um homem mais hábil que eu
ser feliz até à morte.



Marguerite Yourcenar
"Memórias de Adriano"

Há-de flutuar uma cidade



há-de flutuar uma cidade no crepúscolo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado

por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém

e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão

anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade

Al Berto
Deixo os meus pés escorregarem no verde dos traços circulares. Sinto falta do alcance do teu olhar, sinto falta da voz que sempre falou mais de mim do que a minha. Bolas, madrugada sentida que não passa, punhal cravado nas amarras da palavra que fala e eu percebi que não fala de mim.
Tenho um mundo para dar, gestos vindos de uma corrente que me percorre, tenho uma terra quente, pedinte que me veja, que me sinta, tenho o silencio que nunca conheci. Tenho vergonha, ausencia, tenho raiva e mil lagrimas que caem, não tenho nada, nada...
Ouço vozes, subo e desço degraus com o esforço necessário, vagueio na multidão desencontrada, corro para mim em fuga, procuro-me, peço-me.
Sei mais que a palavra, não sei nada.

segunda-feira, março 08, 2010

Enublada de um querer não saber, mais forte que a distancia até ao dia que me tenha. Já é tarde.
Seja a febre, seja a tarde, perdeu a madrugada as cores capazes de me olharem. Será ainda cedo para me ter?
Seja forte, tão forte como uma onda tremenda, que venha das entranhas da terra, do fundo, do magma ardente que me ferve na cara.
Seja uma voz poderosa que jorre em cascata de longe, do cimo de um monte, silenciosa e delirante.
Seja uma estação nova, ainda é tempo de uma asa solta.
Ouves? É mais forte que a minha voz, transborda de mim. Gritante.
Os fortes maciços nas escarpas ventosas, as palavras presas, as cores, rasguei a tela porque não me caberia o branco. Ando por entre pedras soltas, poemas e imagens, pegadas sulcadas até aqui. Atrapalho-me?
Não crês na desordem?  Não vês que a minha mente já percorreu caminhos perversos e campos de outono, não vês que me dispo onde não creio? 
Entendes a voz deslumbrante dos sentidos? Como se expressa a respiração de mim que me passa na mente?
A demência é um estado de simplicidade fascinante, pegar nas palavras, desdobrá-las em lágrimas onde só falam os gestos e o silencio. Deixar os dedos desenhar um quadro qualquer, e em seguida, ver-me.
Conhecimento. É cedo ainda..

domingo, março 07, 2010

Fui sabendo de mim

Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia

pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia

fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei

eu vi
a árvore morta
e soube que mentia

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

sexta-feira, março 05, 2010

Já me chamaram arrogante e com mau feitio, não me importo, é assim que me gosto.
De nariz empinado, entrei naquele edifício que transpira tanto do que normalmente não quero ver. As sapiências de bata branca, passeiam-se por entre depósitos de macas espalhadas ao acaso. É por isso, que vou logo relembrando e chateando, acompanha-me a duvida se por acaso se esqueceram que estamos ali.
Devia haver um ecrã com os tempos de espera, está apagado, sobrecarregado, imagino; falta-me o ar ali dentro, falta-me quase tudo o que preciso para me sentir plena.
Espero, leio, espero, desespero, jogo umas palavras que nem sinto por ali, e ouço um murmurio gorgolejante numa caixa escondida atrás da maquina de fritos e salames, que sempre questionei o que faz ali.  O ruido era o meu nome. Obviamente que o deveria ter ouvido. O axioma é que estariamos alegremente a mastigar Cheetos e de ouvido apurado no meio dos queixumes. Não foi o caso, não ouvi, não é da febre, nem da vontade de vomitar de 5 em 5 minutos. Não se ouve, ponto!
Uma migalha de rabo de cavalo, grita, rebentando a escala, o meu nome. Levanto-me e olho-a. "Não ouviu?"
Poderiamos debater ali o fundamento do ser e a falta de paciência que tenho para isto, mas ergo mais o nariz, passo por ela e não respondo. Apetece-me vomitar e sair dali.
Sempre achei que este sitio devia ter musica ambiente, Mozart e Chopin, devia ter quadros coloridos e paredes de contraste. Mas o que interessam os estudos sobre isso?
Afinal, a chamada, era só para me sentar lá dentro e voltar a esperar e a desesperar novamente.
A minha mente vai ficando dormente, longe, não penso, não quero discutir comigo coisas que não me sei explicar. Desde manhã que um formigueiro me percorre as veias. Penso na pressa que tenho e tomar conta de mim.
Duas horas depois, tenho dois frasquinhos de soro por cima da cabeça. Enjoo. "Está sozinha?". E porque não haveria de estar? O mundo mudou de sitio? O homem da maca ao lado, olha-me fixamente, não sei se me faz olhinhos ou se tem algum problema. Como estou num hospital, tudo lhe é devido, por isso, faço má cara, já a tenho mesmo..
Cá fora, respiro, molho a cara, cumprimento a chuva, gosto dela, sempre gostei. A minha cara ferve, o meu estomago ainda negoceia o que fazer comigo e, ouço uma voz limpa, o contraste disto tudo. Olhei, um vulto imponente, o olhar conhecido, nesta cidade silenciosa de musica e de espaço sentido. Falei o que a minha boca quis, segurei os ombros por cima do peito, recolhi as mãos, baixei o nariz. 
E ali estive, a ouvir falar de mim, a perceber o principio da meada. Estou carente de mim, sedenta de uma pagina branca. 
Amanhã volto para tomar mais conta de mim, aqui e ali, e onde me devo. Porra, sou a S. ou sou uma restea?
Sou eu, de mau feitio e nariz empinado, mas tão mais que isso.

Danger of a single story



Chimamanda Adichie, escritora Nigeriana, fala de uma herança, de um caminho sobreposto entre culturas.
Maravilhada, bebi cada palavra e respirei o sentido.
Como o mundo fala linguagens e do estranho perigo de ouvirmos apenas uma voz, que se torna opinião.

Uma voz calma, fala da vida, do processo de escrita e conhecimento e, acima de tudo, do perigo de uma só voz!