sexta-feira, abril 30, 2010

Cheguei agora, é sexta feira, e eu escolhi, vou fazer uma feijoada de marisco, só para mim, tenho umas velas com cheiro a canela e morango, e vou à cidade iluminada, tenho saudades da vida e de uma conversa de amigas, com a promessa de falarmos do mesmo lado da margem.
Sinto-me renascida, meio dorida, meio dormente, sinto-me ausente do que me sentia, presente de uma nascente que me eleva, e eu não sei como se chama.
Peço a calma, peço a fé, quem me houvera saber mais, peço a luz mais que calor. Sem ofensas nem risadas, sem a vulgaridade orquestrada, sem a desigualdade ensaiada, sem procissões de fé. 
Hão-de haver raizes na terra.
Serei nascente um dia

Parvoives minhas

Conversa de "amigos"
- Olá meu amigo, estava aqui a pensar em ti e telefonei-te para saber como estás
- E estavas a pensar em quê?
- Estava a pensar em ti, só isso...
- (Silencio) ... Olha que isso é perigoso e eu posso confundir as coisas... (como quem diz, está bem, chama-me amigo que eu já te conto uma história)
Despacho a conversa e digo que tenho que sair

Na escola, conversa entre as "amigas" que já me dão doutos conselhos:
- Os arrumadores em Lisboa, metem-me medo, dou-lhes sempre dinheiro, nunca se sabe - Diz uma que agora pintou o cabelo e ficou mais velha.
- Esses para mim, são todos uns drogados, uns farrapos humanos, não têm remedio, nem sei o que andam aqui a fazer - Esta sabe sempre tudo
- Coitados, nem a familia quer saber deles, tenho uma vizinha que diz ao filho que mais valia ele estar morto do que andar a fazer aquelas figuras...
- Ah pois, e olha que para sair disso, é preciso muita força e eles não a têm, são fracos...
Na roda, ficou a faltar a minha opinião, ficou um silencio estranho enquanto eu acendi um cigarro e com um sabor aliviante, respirei fundo....
Amanhã aguardo outro debate do genero.
É por isso que o formigueiro à porta me parece cada vez mais interessante, e de distante, sou tão divertida.

Conversa de ladrões:
- Boa tarde, quero pagar o meu cartão de crédito agora
- Essa operação só é possivel entre o dia 2 e o dia 20 de cada mês.
- Porquê?
- Não lhe sei responder a essa pergunta, mas se pretender um cash-advance poderá fazer em qualquer  altura..
Fim de conversa, não apetece.

Isto num dia em que andei contentinha, amanhã vou comprar a Maria, para ver se me situo.

quarta-feira, abril 28, 2010

Faz-me o Favor




Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.

É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és nao vem à flor
Das caras e dos dias.

Tu és melhor -- muito melhor!--
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.

Mário Cesariny

terça-feira, abril 27, 2010

Permite-me que ecoe por aqui o que se
escreve dentro de mim: escrevo praias onde
nunca mergulhei, ouço conversas dos vizinhos que
doem como gritos, como criticas, como armas
arremessadas contra a minha sombra.

Como te disse: permite-me que me ecoe.
Evitei que me descongregasse pela terra, pensei
que assim poderia tocar-te no ombro e dizer-te
que estou aqui, onde tu não podes ver

onde as crianças não conseguem chegar
onde os velhos não conseguem viver.

Estou por aqui, enquanto te deixo permanecer
no cheiro que trago nas vestes, enquanto me dispo
e deixo que me vejas.

Agora tenho em lugar das minhas mãos uma grande
mancha azulínea, que me recorda que um dia aqui existiu
o mundo e que agora não há mais tempo
para nada.

Sérgio Xarepe- "Em lugar das mãos o mundo."

segunda-feira, abril 26, 2010

Medo

Quem dorme à noite comigo
É meu segredo,
Mas se insistirem, lhes digo,
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo.

E cedo porque me embala
Num vai-vem de solidão,
É com silêncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão.

Gritar quem pode salvar-me
Do que está dentro de mim
Gostava até de matar-me,
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim.

Amalia

sexta-feira, abril 23, 2010

Mas será que ninguém se questiona?
Porra, será que a desgraçada que ainda hoje toma xanax, que ainda não consegue enfrentar o dia seguinte de vazio de poesias e arvores tombadas e sofás e "sempres" e lenços repetidos e africas e amores uma só vez muitas vezes, e as torres que não funcionam e por isso o tempo não cabe... Será que o egoismo da usurpação não vale mais que a culpa à exaustão? Será que um homem que se pretende disribuição fortuita, não se apraz de um simples até já, sem mais nada? Se se conhece o verdadeiro amor, nas abobadas lustrosas e nas praças e nas fumaças, que seja, mas que seja de vez. Será que a inexperiência de partilhar não se desmembra no tempo que nos rouba até findar? Porque tem tempo, mesmo sem mais nada, e mesmo assim, tem o erro de tardar. Tem sim senhora, tem continentes, muitas horas, tem consumição, prostituição, tem uma fronteira invisivel. Será que não se vê a mentira, escondida de carapaças e gargalhadas, a mutação não está no deslocamento para fora do nada que sempre havia, nada de novo nesse universo, faz-se mais do espaço que não via. 
Ou sou mestre de engano, capaz de enganar o mundo, de verdade, populaça de videntes e adivinhos, que mesmo não me dando, viram sempre, o que os meus olhos diziam. 
Não cria, tenho uma tremenda falta de fé, os meus pés pisam o descrédito de paginas e paginas e paginas de um livro que de tantos, não guarda um nome, tem marés, uma de três, afinal só uma, e ainda por cima, inicia da mesma forma. Eu sempre quis ser a "uma" a três avos de um terço rezado em compromisso pleno, mais do que Deus quiser. 
Será que sou só eu que me peco e atormento, e me afundo nas marés? Será que sou só eu que me devo a voz da culpa e do medo? Sei mais que isto, não sabendo, talvez? Mas esta gargalhada ribomba no meu peito ainda agora, do festival desmembrado, ensaiado à laia de poesia, de palhaços e mentira, trompetes e ilusão, enviado num só gume. E eu não tomo comprimidos, não bebo, só fumo uns cigarros cansativos para dar o ar que ainda não consigo deixar. 
Será que o compromisso disforme da culpa e da subtração, era só minha a visão ? 

quinta-feira, abril 22, 2010

A Festa do Silêncio



Escuto na palavra a festa do silêncio. 
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se. 
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas. 
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas. 
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma. 
Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia, 
o ar prolonga. A brancura é o caminho. 
Surpresa e não surpresa: a simples respiração. 
Relações, variações, nada mais. Nada se cria. 
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça. 
Nada é inacessível no silêncio ou no poema. 
É aqui a abóbada transparente, o vento principia. 
No centro do dia há uma fonte de água clara. 
Se digo árvore a árvore em mim respira. 
Vivo na delícia nua da inocência aberta. 

António Ramos Rosa, in "Volante Verde"