A noite vem às vezes tão perdidaE quase nada parece bater certoHá qualquer coisa em nós inquieta e feridaE tudo o que era fundo fica pertoNem sempre o chão da alma é seguroNem sempre o tempo cura qualquer dorE o sabor a fim do mar que vem do escuroÉ tanta vezes o que resta, do calorSe eu fosse a tua peleSe tu fosses o meu caminhoSe nenhum de nós se sentisse nunca sozinhoTrocamos as palavras mais escondidasQue só a noite arranca sem doerSeremos cúmplices o resto da vidaOu talvez só ate amanhecerFica tão fácil entregar a almaA quem nos traga um sopro do desertoOlhar onde a distância nunca acalmaEsperando o que vier de peito abertoSe eu fosse a tua peleSe tu fosses o meu caminhoSe nenhum de nós se sentisse nunca sozinhoMafalda Veiga
terça-feira, dezembro 07, 2010
Cumplices
sexta-feira, novembro 12, 2010
Desfolhada
Corpo de linho
lábios de mosto
meu corpo lindo
meu fogo posto.
Eira de milho
luar de Agosto
quem faz um filho
fá-lo por gosto.
É milho-rei
milho vermelho
cravo de carne
bago de amor
filho de um rei
que sendo velho
volta a nascer
quando há calor.
Minha palavra dita à luz do sol nascente
meu madrigal de madrugada
amor amor amor amor amor presente
em cada espiga desfolhada.
Minha raiz de pinho verde
meu céu azul tocando a serra
oh minha água e minha sede
oh mar ao sul da minha terra.
É trigo loiro
é além tejo
o meu país
neste momento
o sol o queima
o vento o beija
seara louca em movimento.
Minha palavra dita à luz do sol nascente
meu madrigal de madrugada
amor amor amor amor amor presente
em cada espiga desfolhada.
Olhos de amêndoa
cisterna escura
onde se alpendra
a desventura.
Moira escondida
moira encantada
lenda perdida
lenda encontrada.
Oh minha terra
minha aventura
casca de noz
desamparada.
Oh minha terra
minha lonjura
por mim perdida
por mim achada.
(Nuno Nazareth Fernandes
Ary dos Santos)
sábado, outubro 30, 2010
“Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.”
Álvaro de Campos
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.”
Álvaro de Campos
sexta-feira, outubro 29, 2010
Ontem à noite, depois da sua partida definitiva,
fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque,
fui para ali onde fico sempre no mês de junho,
esse mês que inaugura o Inverno.
Tinha varrido a casa,
tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral.
Estava tudo depurado de vida, isento,
vazio de sinais, e depois disse para comigo:
vou começar a escrever
para me curar da mentira de um amor que acaba.
Tinha lavado as minhas coisas, quatro coisas,
estava tudo limpo, o meu corpo, o meu cabelo, a minha roupa,
e também aquilo que encerrava o todo,
o corpo e a roupa,
estes quartos,
esta casa,
este parque.
E depois comecei a escrever...
marguerite duras
textos secretos
quinta-feira, outubro 28, 2010
O andaime
O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!
Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.
A 'sp'rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha 's'prança,
Rola mais que o meu desejo.
Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam - verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.
Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.
Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!
Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.
Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças -
Mortas, porque hão de morrer.
Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim -
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser - muro
Do meu deserto jardim.
Ondas passadas, levai-me
Para o alvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.
Fernando Pessoa
revista presença
1931
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!
Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.
A 'sp'rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha 's'prança,
Rola mais que o meu desejo.
Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam - verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.
Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.
Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!
Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.
Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças -
Mortas, porque hão de morrer.
Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim -
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser - muro
Do meu deserto jardim.
Ondas passadas, levai-me
Para o alvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.
Fernando Pessoa
revista presença
1931
terça-feira, outubro 19, 2010
Pus o meu sonho num navio
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
e o navio em cima do mar;
depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
sexta-feira, outubro 08, 2010
Pur
Procuro um ponto branco no horizonte, onde a distancia nos apartou, num abraço de crença, ainda, num som, numa esperança que buscando, tudo no nosso universo desfaça o caos, em formas
sentidas de sentir.
Não há um dia que não me lembre, na tela que pintava sem mão, no sonho que não ergui, que vivi sem que os gestos o apaguem.
Procuro olhando, buscando, o sentido de mim.
sentidas de sentir.
Não há um dia que não me lembre, na tela que pintava sem mão, no sonho que não ergui, que vivi sem que os gestos o apaguem.
Procuro olhando, buscando, o sentido de mim.
sábado, julho 24, 2010
Chove...
Chove...
Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigada nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?
Chove...
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?
Chove...
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.
José Gomes Ferreira
quarta-feira, julho 21, 2010
Com lento amor
Com lento amor.
olhava os dispersos tons da tarde.
A ela comprazia perder-se na complexa melodia
Ou na curiosa vida dos versos.
Ou na curiosa vida dos versos.
Não o rubro elemental mas os cinzentos
Fiaram seu destino delicado,
Feito a discriminar e exercitado
Na vacilação e nos matizes.
Sem se atrever a andar neste perplexo labirinto,
olhava lá de fora as formas,
o tumulto e a carreira,
Como aquela outra dama do espelho.
Deuses que habitam para lá do rogo
Abandonaram-na a esse tigre, o Fogo.
Como aquela outra dama do espelho.
Deuses que habitam para lá do rogo
Abandonaram-na a esse tigre, o Fogo.
terça-feira, junho 22, 2010
Amor
"Aquilo que existe dentro de mim e dentro de ti, existe também à nossa volta quando estamos juntos. (...)
Eu e tu declarámos o fim de todas as fronteiras e inseparámo-nos."
Jose Luis Peixoto
Eu e tu declarámos o fim de todas as fronteiras e inseparámo-nos."
Jose Luis Peixoto
sábado, junho 19, 2010
Tenho vergonha de um pais assim, tenho pena de tantos que não puderam ser vistos nas suas casas, de árvore de natal por detrás, em retrato de família, como ele. É arguido, ponto final!
Não sei se é culpado, pedófilo, comedor de crianças ou amigo dos animais, é arguido num processo que enoja, que cansa, que nos sai dos bolsos todos os dias.
É arguido, e ninguém tem ainda que eu saiba, que lhe pedir desculpas por isso, nem a ele, nem ao senhor primeiro ministro, contra quem nada se prova nem provará. Somo um povinho encolhido, com o sr Dr, sr Eng e aquele apresentador que dava uns prémios e ficava tão bem a divulgar o euro.
Que é isto?
Não sei se é culpado, pedófilo, comedor de crianças ou amigo dos animais, é arguido num processo que enoja, que cansa, que nos sai dos bolsos todos os dias.
É arguido, e ninguém tem ainda que eu saiba, que lhe pedir desculpas por isso, nem a ele, nem ao senhor primeiro ministro, contra quem nada se prova nem provará. Somo um povinho encolhido, com o sr Dr, sr Eng e aquele apresentador que dava uns prémios e ficava tão bem a divulgar o euro.
Que é isto?
sexta-feira, junho 18, 2010
terça-feira, junho 08, 2010
E quando a minha terra deixar de ter cores ou perfume, quando o frenesim da arrogância invadir a construção, quando for lume a paz e desvio o conhecimento, dormir? Aceitar a mediocridade como padrão? Calar uma voz que fala antes de a dizer? Claro que não. Antes disso, levo comigo uma mala, alegremente cheia de nada, que não quero carregar senão a mim, uma pouca de agua e uma bucha para o caminho!
quinta-feira, maio 06, 2010
sexta-feira, abril 30, 2010
Cheguei agora, é sexta feira, e eu escolhi, vou fazer uma feijoada de marisco, só para mim, tenho umas velas com cheiro a canela e morango, e vou à cidade iluminada, tenho saudades da vida e de uma conversa de amigas, com a promessa de falarmos do mesmo lado da margem.
Sinto-me renascida, meio dorida, meio dormente, sinto-me ausente do que me sentia, presente de uma nascente que me eleva, e eu não sei como se chama.
Peço a calma, peço a fé, quem me houvera saber mais, peço a luz mais que calor. Sem ofensas nem risadas, sem a vulgaridade orquestrada, sem a desigualdade ensaiada, sem procissões de fé.
Hão-de haver raizes na terra.
Serei nascente um dia
Parvoives minhas
Conversa de "amigos"
- Olá meu amigo, estava aqui a pensar em ti e telefonei-te para saber como estás
- E estavas a pensar em quê?
- Estava a pensar em ti, só isso...
- (Silencio) ... Olha que isso é perigoso e eu posso confundir as coisas... (como quem diz, está bem, chama-me amigo que eu já te conto uma história)
Despacho a conversa e digo que tenho que sair
Na escola, conversa entre as "amigas" que já me dão doutos conselhos:
- Os arrumadores em Lisboa, metem-me medo, dou-lhes sempre dinheiro, nunca se sabe - Diz uma que agora pintou o cabelo e ficou mais velha.
- Esses para mim, são todos uns drogados, uns farrapos humanos, não têm remedio, nem sei o que andam aqui a fazer - Esta sabe sempre tudo
- Coitados, nem a familia quer saber deles, tenho uma vizinha que diz ao filho que mais valia ele estar morto do que andar a fazer aquelas figuras...
- Ah pois, e olha que para sair disso, é preciso muita força e eles não a têm, são fracos...
Na roda, ficou a faltar a minha opinião, ficou um silencio estranho enquanto eu acendi um cigarro e com um sabor aliviante, respirei fundo....
Amanhã aguardo outro debate do genero.
É por isso que o formigueiro à porta me parece cada vez mais interessante, e de distante, sou tão divertida.
Conversa de ladrões:
- Boa tarde, quero pagar o meu cartão de crédito agora
- Essa operação só é possivel entre o dia 2 e o dia 20 de cada mês.
- Porquê?
- Não lhe sei responder a essa pergunta, mas se pretender um cash-advance poderá fazer em qualquer altura..
Fim de conversa, não apetece.
Isto num dia em que andei contentinha, amanhã vou comprar a Maria, para ver se me situo.
quarta-feira, abril 28, 2010
Faz-me o Favor
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.
É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és nao vem à flor
Das caras e dos dias.
Tu és melhor -- muito melhor!--
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.
Mário Cesariny
terça-feira, abril 27, 2010
Permite-me que ecoe por aqui o que se
escreve dentro de mim: escrevo praias onde
nunca mergulhei, ouço conversas dos vizinhos que
doem como gritos, como criticas, como armas
arremessadas contra a minha sombra.
Como te disse: permite-me que me ecoe.
Evitei que me descongregasse pela terra, pensei
que assim poderia tocar-te no ombro e dizer-te
que estou aqui, onde tu não podes ver
onde as crianças não conseguem chegar
onde os velhos não conseguem viver.
Estou por aqui, enquanto te deixo permanecer
no cheiro que trago nas vestes, enquanto me dispo
e deixo que me vejas.
Agora tenho em lugar das minhas mãos uma grande
mancha azulínea, que me recorda que um dia aqui existiu
o mundo e que agora não há mais tempo
para nada.
Sérgio Xarepe- "Em lugar das mãos o mundo."
escreve dentro de mim: escrevo praias onde
nunca mergulhei, ouço conversas dos vizinhos que
doem como gritos, como criticas, como armas
arremessadas contra a minha sombra.
Como te disse: permite-me que me ecoe.
Evitei que me descongregasse pela terra, pensei
que assim poderia tocar-te no ombro e dizer-te
que estou aqui, onde tu não podes ver
onde as crianças não conseguem chegar
onde os velhos não conseguem viver.
Estou por aqui, enquanto te deixo permanecer
no cheiro que trago nas vestes, enquanto me dispo
e deixo que me vejas.
Agora tenho em lugar das minhas mãos uma grande
mancha azulínea, que me recorda que um dia aqui existiu
o mundo e que agora não há mais tempo
para nada.
Sérgio Xarepe- "Em lugar das mãos o mundo."
segunda-feira, abril 26, 2010
Medo
Quem dorme à noite comigo
É meu segredo,
Mas se insistirem, lhes digo,
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo.
É meu segredo,
Mas se insistirem, lhes digo,
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo.
E cedo porque me embala
Num vai-vem de solidão,
É com silêncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão.
Num vai-vem de solidão,
É com silêncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão.
Gritar quem pode salvar-me
Do que está dentro de mim
Gostava até de matar-me,
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim.
Do que está dentro de mim
Gostava até de matar-me,
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim.
Amalia
sexta-feira, abril 23, 2010
Mas será que ninguém se questiona?
Porra, será que a desgraçada que ainda hoje toma xanax, que ainda não consegue enfrentar o dia seguinte de vazio de poesias e arvores tombadas e sofás e "sempres" e lenços repetidos e africas e amores uma só vez muitas vezes, e as torres que não funcionam e por isso o tempo não cabe... Será que o egoismo da usurpação não vale mais que a culpa à exaustão? Será que um homem que se pretende disribuição fortuita, não se apraz de um simples até já, sem mais nada? Se se conhece o verdadeiro amor, nas abobadas lustrosas e nas praças e nas fumaças, que seja, mas que seja de vez. Será que a inexperiência de partilhar não se desmembra no tempo que nos rouba até findar? Porque tem tempo, mesmo sem mais nada, e mesmo assim, tem o erro de tardar. Tem sim senhora, tem continentes, muitas horas, tem consumição, prostituição, tem uma fronteira invisivel. Será que não se vê a mentira, escondida de carapaças e gargalhadas, a mutação não está no deslocamento para fora do nada que sempre havia, nada de novo nesse universo, faz-se mais do espaço que não via.
Ou sou mestre de engano, capaz de enganar o mundo, de verdade, populaça de videntes e adivinhos, que mesmo não me dando, viram sempre, o que os meus olhos diziam.
Não cria, tenho uma tremenda falta de fé, os meus pés pisam o descrédito de paginas e paginas e paginas de um livro que de tantos, não guarda um nome, tem marés, uma de três, afinal só uma, e ainda por cima, inicia da mesma forma. Eu sempre quis ser a "uma" a três avos de um terço rezado em compromisso pleno, mais do que Deus quiser.
Será que sou só eu que me peco e atormento, e me afundo nas marés? Será que sou só eu que me devo a voz da culpa e do medo? Sei mais que isto, não sabendo, talvez? Mas esta gargalhada ribomba no meu peito ainda agora, do festival desmembrado, ensaiado à laia de poesia, de palhaços e mentira, trompetes e ilusão, enviado num só gume. E eu não tomo comprimidos, não bebo, só fumo uns cigarros cansativos para dar o ar que ainda não consigo deixar.
Será que o compromisso disforme da culpa e da subtração, era só minha a visão ?
quinta-feira, abril 22, 2010
A Festa do Silêncio
Escuto na palavra a festa do silêncio.
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se.
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.
Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,
o ar prolonga. A brancura é o caminho.
Surpresa e não surpresa: a simples respiração.
Relações, variações, nada mais. Nada se cria.
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.
Nada é inacessível no silêncio ou no poema.
É aqui a abóbada transparente, o vento principia.
No centro do dia há uma fonte de água clara.
Se digo árvore a árvore em mim respira.
Vivo na delícia nua da inocência aberta.
António Ramos Rosa, in "Volante Verde"
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se.
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.
Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,
o ar prolonga. A brancura é o caminho.
Surpresa e não surpresa: a simples respiração.
Relações, variações, nada mais. Nada se cria.
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.
Nada é inacessível no silêncio ou no poema.
É aqui a abóbada transparente, o vento principia.
No centro do dia há uma fonte de água clara.
Se digo árvore a árvore em mim respira.
Vivo na delícia nua da inocência aberta.
António Ramos Rosa, in "Volante Verde"
sábado, março 20, 2010
"A noite é a sua presença. Lá fora,a lua e as estrelas seguram a noite sobre as árvores, obre as casas e sobre qualquer pessoa que ainda caminhe sozinha pelas ruas da vila. Aqui,a noite é a cama de ferro e os lençóis brancos, estendidos,limpos. O meu quarto éo sítio onde posso existir sozinho e sem segredos. Aqui,a noite é o som quase silencioso do pavio do candeeiro de petróleo a arder lentamente.(...)"
José Luís Peixoto
excerto de "Antídoto"
sexta-feira, março 19, 2010
Canção de Madrugar
De linho te vesti
de nardos te enfeitei
amor que nunca vi
mas sei.
Sei dos teus olhos acesos na noite
- sinais de bem despertar -
sei dos teus braços abertos a todos
que morrem devagar.
Sei meu amor inventado que um dia
teu corpo pode acender
uma fogueira de sol e de fúria
que nos verá nascer.
Irei beber em ti
o vinho que pisei
o fel do que sofri
e dei.
Dei do meu corpo um chicote de força.
Rasei meus olhos com água.
Dei do meu sangue uma espada de raiva
e uma lança de mágoa.
Dei do meu sonho uma corda de insónias
cravei meus braços com setas
descobri rosas alarguei cidades
e construí poetas.
E nunca te encontrei
na estrada do que fiz
amor que nunca logrei
mas quis.
Sei meu amor inventado que um dia
teu corpo há-de acender
uma fogueira de sol e de fúria
que nos verá nascer.
Então:
nem choros nem medos nem uivos
nem gritos nem pedras nem facas
nem fomes nem secas nem feras
nem ferros nem farpas nem farsas
nem forcas nem cardos nem dardos
José Carlos Ary dos Santos
de nardos te enfeitei
amor que nunca vi
mas sei.
Sei dos teus olhos acesos na noite
- sinais de bem despertar -
sei dos teus braços abertos a todos
que morrem devagar.
Sei meu amor inventado que um dia
teu corpo pode acender
uma fogueira de sol e de fúria
que nos verá nascer.
Irei beber em ti
o vinho que pisei
o fel do que sofri
e dei.
Dei do meu corpo um chicote de força.
Rasei meus olhos com água.
Dei do meu sangue uma espada de raiva
e uma lança de mágoa.
Dei do meu sonho uma corda de insónias
cravei meus braços com setas
descobri rosas alarguei cidades
e construí poetas.
E nunca te encontrei
na estrada do que fiz
amor que nunca logrei
mas quis.
Sei meu amor inventado que um dia
teu corpo há-de acender
uma fogueira de sol e de fúria
que nos verá nascer.
Então:
nem choros nem medos nem uivos
nem gritos nem pedras nem facas
nem fomes nem secas nem feras
nem ferros nem farpas nem farsas
nem forcas nem cardos nem dardos
nem guerras
José Carlos Ary dos Santos
quarta-feira, março 17, 2010
Poderia estar agora em Washington, ter já percorrido as alas de conhecimento e prestar-me ares de topo, julgar-me diferente e do "contra" e procurar um cantinho onde se comesse, pelo menos, uma sopa, e de seguidinha, embevecer-me-ia, com mais um estudo, desta feita do ilustre senhor David Bossie, cujo documentário doutamente conclusivo atribui a culpa disto tudo aos hippies da era "Make love, not War".
Já mais à esquerda, ouvir-se-ia uma ala iluminada por Steinhorn, em defesa daqueles "que atribuiram direitos civis aos negros, mulheres e gays". (Ainda bem que se lembraram de todos).
Concordo com a mudança dos tempos e até visualizo umas Janis Joplins sentadas em Wall Street a especular com titulos de alto risco, enquanto assobiam "It`s a beatifull day"... Ainda assim, prefiro pensar num processo de "ignorânciação". Em terra de cegos, quem tem..."
A par desta descoberta fundamental, soube agora mesmo, que afinal a minha bisavó tinha razão. O bagaço tem altos poderes curativos e preventivos, imagine-se... Deve ter sido concluido após a descoberta da senhora de 130 anos que bebe vodka.
E de seguida, vou aprender qual é a probabilidade de, quando entrar na sala de aula, ser mulher, ou outra coisa qualquer, negra, gay ou bebeda. Vou ver...
sexta-feira, março 12, 2010
Ontem à noite, depois da sua partida definitiva,
fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque,
fui para ali onde fico sempre no mês de junho,
esse mês que inaugura o Inverno.
Tinha varrido a casa,
tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral.
Estava tudo depurado de vida,
isento,
vazio de sinais, e depois disse para comigo:
vou começar a escrever
para me curar da mentira de um amor que acaba.
Tinha lavado as minhas coisas,
quatro coisas,
estava tudo limpo, o meu corpo, o meu cabelo, a minha roupa,
e também aquilo que encerrava o todo,
o corpo e a roupa,
estes quartos,
esta casa,
este parque.
E depois comecei a escrever...
Marguerite Duras
textos secretos
fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque,
fui para ali onde fico sempre no mês de junho,
esse mês que inaugura o Inverno.
Tinha varrido a casa,
tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral.
Estava tudo depurado de vida,
isento,
vazio de sinais, e depois disse para comigo:
vou começar a escrever
para me curar da mentira de um amor que acaba.
Tinha lavado as minhas coisas,
quatro coisas,
estava tudo limpo, o meu corpo, o meu cabelo, a minha roupa,
e também aquilo que encerrava o todo,
o corpo e a roupa,
estes quartos,
esta casa,
este parque.
E depois comecei a escrever...
Marguerite Duras
textos secretos
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